
Guiné-Bissau - 1959 > Os 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias (o primeiro, de pé, do lado direito) e Domingos Ramos (o primeiro da frente, do lado esquerdo)
"O que pode acontecer a dois amigos a quem a guerra, tendo sido a arte da guerra que os fez amigos, os faz reencontrar face-to-face de armas na mão para matar ou morrer, com as contas trocadas entre o nós e os outros? Tudo. O melhor e o pior. Até isto (o sublime).
João Tunes
Eis como o ocorrido nos é narrado por Mário Dias
(...) Foi assim:
Estando com o meu grupo de comandos no Xitole, sensivelmente em meados de 1965, fomos fazer uma patrulha de reconhecimento pois o inimigo há muito mostrava sinais de intensificar a sua actividade na região. Porém, as informações eram escassas. Desconhecia-se com precisão por onde andavam os guerrilheiros e as possíveis localizações dos acampamentos. Por tal facto, foi-nos dada a missão de efectuar um reconhecimento ofensivo, tentando localizar o destruir o inimigo.
Por volta das 3 horas da madrugada saímos no maior silêncio, a pé, pela estrada que liga o Xitole a Mampatá, Aldeia Formosa, etc. Alcançada a bifurcação da picada para Amedalai, internámo-nos no mato, constituido quase só por palmeiras mas bastante denso, e aí aguardámos o romper do dia.
Reiniciada a marcha, com as habituais cautelas e as indispensáveis medidas de segurança, fomos progredindo pelo mato, acompanhando de perto o traçado da picada.
Andar um pouco, parar, escutar, analisar pistas e vestígios de presença humana, comsumiu uma boa parte da manhã. Era quase meio dia quando ouvimos, vindos da nossa esquerda, alguns tiros. Não foram muitos.Por não terem sido dirigidos com precisão e sobretudo com intenção de nos atingir, concluimos que se tratava de tiros de reconhecimento (eles também os faziam). Devem ter presentido algo mas não tinham a certeza da nossa posição nem, possivelmente, da nossa presença.
Desta forma, e como nos interessava obter informações sobre a actividade do inimigo, deixei o grupo instalado defensivamente e fui, com a minha equipa (5 homens) em direcção à zona de onde os tiros tinham partido fazer o reconhecimento. O que essa progressão teve de cautelas, expectativas e adrenalina é fácil de imaginar para quen viveu situações semelhantes.
De repente, ouvimos pessoas a conversar e o ruido característico de movimentação. Querendo observar melhor o que se estava a passar, ergui-me acima do arbusto que me ocultava. Foi então que aconteceu. Do outro lado, a cerca de vinte ou trinta metros, um vulto se ergueu também e olhou na minha direcção. Espanto dele! Espanto meu! Era o Domingos Ramos.

Ficámos ambos como petrificados. Não falámos, apenas nos limitámos a sorrir e houve como que uma espécie de telepatia. Mas, mesmo sem falar, as expressões de contentamento de ambos (espero que ele tivesse entendido que também eu estava contente com o inesperadao mas feliz encontro) tornaram mágicos aqueles breves momentos que jamais esquecerei.
Mas era preciso regressar à terra. De imediato ouvi as suas ordens:
- Nó bai, nó bai -. E internou-se ainda mais, desparecendo na densa mata. Voltei para trás, para junto do resto do grupo:
- Não há problema. Era um pequeno grupo mas já fugiram.
E continuámos a patrulha sem mais percalços. Claro que este episódio não constou do relatório. E foi assim.
Mário Dias